Gêneros Textuais de Interesse
O Projeto CEEMO tem pesquisado a respeito de elementos da oralidade nos gêneros textuais debatidos a seguir, alguns já em fase de transcrição e disponibilização.
(i) Diálogos de narrativas literárias – busca-se selecionar obras cujos autores demonstram um projeto estético de aproximação da língua oral, atuação que caracteriza alguns dos movimentos mais caraterísticos da literatura do século XIX e XX (regionalismo, realismo mágico, realismo social). Na medida em que sejam estabelecidas novas parcerias, é possível ampliar o recorte diacrônico, retrocedendo temporalmente.
(ii) Peças de teatro – estudos sociolinguísticos inspiram-se em Morel Pinto (1988), o qual as menciona como fontes relevantes para o conhecimento da modalidade oral da língua.
(iii) Poesias populares – interessam recopilações de poesia oral, em circulação em determinados períodos históricos, como os Corridos da Revolução mexicana, por exemplo, ou os Narcocorridos, na época atual, e obras produzidas por autores reconhecidos, que tentam captar os modos da poesia oral, como os Cielitos de Bartolomé José Hidalgo ou o Martín Fierro de José Hernández, na Argentina no século XIX.
(iv) Diálogos de filmes – têm-se em consideração versões originais de diferentes nacionalidades e suas respectivas traduções a variedades da língua espanhola. Essa amostra permite o desenvolvimento de pesquisa entre línguas – português/espanhol, francês/espanhol, por exemplo – e entre variedades da língua espanhola – tradução de um mesmo filme nas versões mexicana e espanhola, por exemplo.
(v) Cartas pessoais – vislumbra-se identificar, nesse tipo de manifestação concreta da língua, fenômenos linguísticos pertencentes ao vernáculo de nativos de diferentes variedades hispânicas.
A respeito dos gêneros de (i) a (iii), é necessário admitir que, à parte a linguagem formal normalmente concebida à literatura, percebe-se, em determinadas obras, um movimento em direção à oralidade; um esforço do escritor em revelar o que há de concreto na língua: o uso por parte de falantes que representam os contextos social, histórico e espacial da obra. Como assinalam alguns críticos (LIENHARD, 1990; PACHECO, 1992), na América Latina, pode-se postular nos estudos literários um campo de pesquisa caraterizado por textos que apresentam uma hibridez cultural, definida pela sua vinculação com fontes orais (de origem indígena ou mestiça). Melhor explicitando, nas literaturas hispano-americanas, devido a uma colonização que investiu a escrita de uma autoridade legal, marginalizando a oralidade das culturas americanas (LIENHARD, 1990, p. 27), os procedimentos de representação do oral na literatura procuram: (i) reconhecer formas culturais invisibilizadas, (ii) ativar mecanismos de memória que propiciem uma nova narrativa da história e (iii) recuperar procedimentos de narração de caráter mítico ou popular. Assim, no século XIX, o gênero gauchesco, caraterístico do Brasil, Uruguai e Argentina, tenta se aproximar à dição e às fórmulas dos peões rurais com intenções e funções diversas, muito vinculadas com as tensões políticas do momento da independência da metrópole espanhola e da constituição dos estados nacionais (RAMA, 1994).
Ainda no âmbito da Literatura, outro exemplo similar debatido pelo grupo de pesquisadores do CEEMO é o dos Corridos mexicanos – composições poéticas de caráter narrativo, procedentes da forma “romance” espanhola, que durante a Revolução mexicana (1910-1917) foram muito utilizadas para relatar acontecimentos e batalhas. Entre a poesia, o jornal de notícias e a publicidade, estes poemas apresentam marcas orais que evidenciam sua fatura popular e sua adequação às metas do gênero, ao facilitar sua memorização e transmissão (MENDOZA, 1954).
No que tange ao gênero em (iv), diversas pesquisas nas áreas de Linguística e Tradução vêm lançando mão desse tipo de amostra na análise de diferentes objetos de estudo à luz da análise contrastiva intra e interlinguística (OLIVEIRA; TAVORA; SOBOTTKA, 2020; PEREIRA; OLIVEIRA, 2018; GESSER, 2015; OLIVEIRA; GESSER, 2015; ALBANO, 2015; SEVERO; RODRIGUES, 2013).
Concernente às cartas pessoais, citadas no item em (v), a modelo das pesquisas sociolinguísticas e funcionalistas sobre o português do Brasil, desenvolvidas em projetos deste país, como o Varsul – Variação Linguística na Região Sul do Brasil – e PHPB – Para a história do Português Brasileiro –, vislumbra-se a possibilidade de identificar no gênero em questão fenômenos linguísticos característicos da comunidade de fala a que pertence o falante-remetente.
Referências
ALBANO, Carine S. La variación en los tiempos verbales en la variedad neutral del doblaje al español de la película Río. Trabalho de conclusão do Curso de Graduação em Letras Espanhol. LLE/CCE/UFSC, 2015. Disponível em: http://www.lle.cce.ufsc.br/docs/tccs/101a8a3ed583ec2bf95d286b04fddfa5.pdf.
GESSER, Alison. F. Funcionalidad de formas verbales de pasado: análisis lingüístico de una película brasileña traducida al español. Trabalho de conclusão de curso (TCC). Florianópolis: UFSC, 2015. Disponível em: http://www.lle.cce.ufsc.br/docs/tcc/Espanhol/Alison Felipe Gesser.pdf.
LIENHARD, Martin. La voz y su huella. La Habana: Casa de las Américas, 1990.
MENDOZA, Vicente T. El corrido mexicano. México: FCE, 1954.
MOREL PINTO, Rolando. História da língua portuguesa – IV. Século XVIII. São Paulo: Ática, 1988.OLIVEIRA, Leandra C. de; TAVORA, Beatrice; SOBOTTKA, Mary A. W. S. La negociación en la oralidad fingida: un estudio sobre las formas de tratamiento en la representación artística del Siglo de Oro. Gragoatá, Niterói, v.25, n. Comemorativo, p. 268-290, julho 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/34203.
OLIVEIRA, Leandra C. de; TAVORA, Beatrice; SOBOTTKA, Mary A. W. S. La negociación en la oralidad fingida: un estudio sobre las formas de tratamiento en la representación artística del Siglo de Oro. Gragoatá, Niterói, v.25, n. Comemorativo, p. 268-290, julho 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/34203. DOI: https://doi.org/10.22409/gragoata.v25iEsp.34203
OLIVEIRA, Leandra. C.; GESSER, Alison F. La expresión temporal de pasado en el material de audio de una película brasileña traducida en México. Verbum Et Lingua, v. 5, 2015, p. 39-56.
PACHECO, Carlos. La comarca oral. Caracas: La casa de Bello, 1992.
PEREIRA, Livya L. de O.; OLIVEIRA, Leandra C. de. As formas de tratamento nominais e pronominais em Lope (2010): temporalidade linguística e verossimilhança. Letra Magna, 23, ano 14, 2018, p. 451-472. Disponível em: http://www.letramagna.com/artigos_23/artigo29_23.pdf. Acesso em abril/2019.
SEVERO, Cristine. G.; RODRIGUES, Tiago P. Variação em legendas de filme traduzidas: a representação da fala de personagens pertencentes a grupos socialmente desprestigiados. TradTerm, V. 22. São Paulo: dezembro/2013, p. 303-326.